sábado, agosto 15, 2015

A COUNTESS FROM HONG KONG (1967)

A CONDESSA DE HONG KONG
Um filme de CHARLES CHAPLIN

Com Marlon Brando, Sophia Loren, Sydney Chaplin, Patrick Cargill, Tippi Hedren, Angela Scoular, Margaret Rutherford, etc.

GB / 120 min / COR / 
16X9 (1.85:1)

Estreia na GB: Londres, 5/1/1967
Estreia nos EUA: 15/3/1967
Estreia em PORTUGAL: Lisboa (cinema Mundial), 25/12/1968


Chaplin não inspira sómente o riso, nem unicamente a simpatia, nem tão-pouco a fria admiração intelectual. Antes de tudo, inspira-nos uma inconfessável, emocionante e incontida ternura


Simplicidade. O que há de genial nos homens geniais é precisamente a simplicidade com que se colocam diante do seu público, olhando-o de frente, para de seguida representarem o seu número sem qualquer tipo de subterfúgio. No caso particular de Chaplin, reinventando o riso, contorcendo de gargalhadas as gargantas. Fazer, como Picasso, de um pequenino pedaço de barro uma pomba que voe em direcção à liberdade, ou esborratar de ternura uma tela branca, como o sabia fazer Modigliani. Tropeçar num qualquer objecto ou debater-se furiosamente  nos lençóis de uma cama, são coisas simples que quase toda a gente consegue mostrar num écran. Diz-se mesmo que o riso é fácil. E é-o na maioria dos casos. Em Chaplin, contudo, o humor que daí se extrai é simultâneamente fácil (porque espontâneo) e complexo (na medida em que ultrapassa a mediocridade dos outros risos fáceis). Chaplin seria, creio bem, o único realizador capaz de dirigir “A Condessa de Hong Kong” e fazer dela não uma comédia vulgar, mas uma película tocada pelo génio.


Contrariando o que a grande maioria da crítica escreveu na época sobre este filme (entre outros mimos, que se tratava de uma obra esclerosada, fora do seu tempo, indo ao ponto de a considerarem o “pior” filme da carreira de Chaplin), há, na verdade, mais ternura e ferocidade em qualquer plano desta Condessa do que em muitas outras obras de esférica perfeição, onde a emoção se perde, a vida se extravia. De acordo que esta “Condessa de Hong-Kong” tem erros de escrita, falhas de raccord (ou seja, planos que se intercalam de forma defeituosa), transparências das mais evidentes possíveis (a sequência na praia, toda filmada em estúdio com fundos pintados), pedaços de outros filmes aqui introduzidos consoante a necessidade do argumento (um dos mais clamorosos é a partida do barco do Hawai), etc., e, no entanto..., poucas vezes sentimos tão próxima a presença de um artista como neste filme, que se alimenta dos processos burlescos do cinema mudo, aplicando-lhes um verniz de modernidade. Mesmo assistindo a esta obra sem previamente conhecermos o seu autor, o nome de Chaplin seria de imediato associado a memórias antigas.


A história de “A Condessa de Hong Kong” (última obra de Chaplin, realizada 10 anos depois de “Um Rei Em Nova Iorque”, numa altura em que muitos já o tinham prematuramente colocado na prateleira das velharias) é linear e simples. Ogden Mears (Marlon Brando, em mais um registo espantoso de comédia, provando, caso ainda fosse preciso, que o genial actor podia interpretar na perfeição qualquer tipo de personagem que lhe pusessem à frente), embaixador americano em viagem para Washington, onde vai tomar posse do seu lugar de plenipotenciário na Arábia Saudita, encontra, nos seus aposentos do transatlântico em que viaja, Natascha (Sophia Loren), uma condessa russa que pretende emigrar clandestinamente para os Estados Unidos. Natascha tinha conseguido fugir da Rússia depois da Revolução de 1917, indo parar a Hong-Kong, na altura uma colónia britânica. Ganha a vida num cabaret, prostituindo-se e dançando com marines, “a 50 cêntimos a dança”. Por seu lado, Ogden é casado com Martha (Tipi Hendren), e prepara-se para o divórcio quando é nomeado embaixador. O fim do casamento passa, portanto, para um plano secundário, em virtude das imposições do novo cargo. O aparecimento de Natascha nos seus aposentos (mais concretamente dentro de um guarda-roupa) apresenta-se, consequentemente, como uma ameaça latente à sua posição e à carreira futura, pelo que terá de ser rapidamente ultrapassada. Só que a urgência inicial de Ogden, quase em desespero, de resolver o problema, vai-se esbatendo com o tempo e com a convivência intempestiva entre os dois. 


“A Condessa de Hong Kong” define-se desde logo, nas suas premissas iniciais. O filme será o que ocorre dentro desses aposentos entre duas salas, duas portas, um armário, uma casa de banho e duas ou três incursões no exterior. Será nesse cenário único que Chaplin irá improvisar o seu número. Aí temos o artista num palco quase deserto fazendo sair as pombas das cartolas. Um toque de campainha será a faísca necessária às explosões que se repetem. E a cada explosão inventará Chaplin um novo gag. Mas o seu humor é inimitável. A sua prodigiosa imaginação não se limita a encenar mecânica e friamente o que quer que seja. Chaplin ama os seus personagens (na proporção inversa com que sempre tratou os seus actores), e isso nota-se em cada olhar que a câmara lhes deita. Ama-os com ternura, sem lamentos. E quando é necessário vergastar, Chaplin não é menos brutal, como nessa sequência final em que Marlon Brando e Sophia Loren dançam envolvendo-se com a dignidade que souberam conquistar, enquanto, à sua volta, meia dúzia de pares, engelhados pelas convenções, arrastam os pés e abanam, ridículos, as abas das casacas. Falando ainda de brutalidade, que dizer do casamento que se arquitecta entre o mordomo Hudson (fabuloso Patrick Cargill) e Natascha, situação que, nas suas múltiplas consequências, é a mais violenta crítica à instituição que nos lembra ter assistido?


Não, Charles Chaplin, aos 77 anos de idade, ainda não estava na prateleira das velharias (lugar que não ocuparia nunca), porque não tinha abdicado de nada do que o tinha feito famoso. Nos finais da sua carreira encontrávamos ainda o mesmo lirismo, a mesma ternura, a mesma virulência, os mesmos temas, o mesmo estilo de cinema. A sua grandeza continuava a ser a simplicidade de processos, a facilidade com que chegava ao público, contagiando-o. Fugindo a qualquer tipo de estereotipo, Chaplin teve a coragem de prosseguir o seu caminho, mantendo-se igual a si próprio. Na interpretação, e deixando de lado Marlon Brando e Sophia Loren (simplesmente impecáveis), saliente-se Patrick Cargill (um mordomo notável e inesquecível), Angela Scoular (a menina da sociedade que, «como dizia o seu pai», é uma verdadeira revelação) e Margareth Rutherford (numa excelente rábula, feita de equívocos e mal-entendidos). “A Condessa de Hong Kong”, único filme a cores de Chaplin (e também o único rodado em widescreen, formato com que o realizador embirrava, mas que lhe foi imposto pelos estúdios da Universal), continua a ser, quase meio século volvido, uma comédia inteligente, por vezes delirante, aqui e ali atravessada por laivos de génio, que urge (re)descobrir, sobretudo por parte das novas gerações que do riso não têm outra alternativa que não seja a da actual boçalidade, que sistematicamente invade os écrans das salas de cinema.


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CURIOSIDADES

- Apesar de Marlon Brando sempre ter admirado Chaplin, a relação entre ambos não foi famosa. Na sua autobiografia, Brando descreveu Chaplin como «provavelmente o homem mais sádico que conheci». Por sua vez, o realizador diria que tinha sido quase impossível trabalhar com Brando, tendo inclusivé referido a sua frustração por não ter podido contar com Cary Grant ou Rex Harrison. Também Sophia Loren teve uma má relação com Brando, sobretudo depois deste lhe ter dito que ela tinha pelos no nariz, durante a rodagem de uma cena de amor.

- Na exibição nos EUA, a extensão do filme seria encurtada em cerca de 12 minutos.


- Como era usual na grande maioria dos seus filmes, também aqui Chaplin foi o homem dos sete instrumentos: produziu, dirigiu, escreveu o argumento e toda a partitura musical, de onde sobressaía o tema principal. Gravado por Petula Clark com o título de “This Is My Song”, a canção tornar-se-ia um grande sucesso, atingindo o nº 1 de vendas nos charts britânicos.

- Chaplin teve a ideia central para este filme muitos anos antes, ainda na década de 30. Nessa altura pensava ser o veículo ideal para Paulette Goddard, com quem se encontrava casado.

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