quinta-feira, maio 03, 2012

ARTISTS AND MODELS (1955)

PINTORES E RAPARIGAS
Um filme de FRANK TASHLIN


Com Dean Martin, Jerry Lewis, Shirley MacLaine, Dorothy Malone, Eddie Mayehoff, Eva Gabor, Anita Ekberg, Kathleen Freeman, etc.


EUA / 109 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia nos EUA a 7/11/1955
Estreia em PORTUGAL a 10/5/1956

Eugene Fullstack: «Those lovely lips, those red inviting, lucious lips - like two strips of liver gleaming in the moonlight!»

"Artists And Models" é o mais cruel dos filmes cómicos, onde o espectador não ri espontaneamente, mas sente uma forte amargura no sorriso, tão forte como os amarelos e azuis das latas de tinta que caem dos andaimes, a que o technicolor empresta outro fulgor. Os modelos de que o título original nos dá conta, são modelos de representação que subvertem a lógica dos sistemas clássicos, que rasgam as ideias académicas, que se organizam num sentido inverso, que saem da ordem gramatical, da disciplina sintática, do respeito conventual. Onde os objectos adquirem uma agressividade fabricada e onde as flores são tão artificiais como as situações.
Uma história (que não se conta mas já é história) tão falsa como o fumo sintético que sai da boca de uma boneca pintada em cartão, fumo que é primeiro comic books, desejo da nossa libertação, viagem ao mundo perverso da nossa infância. Não se trata aqui de sonhar melancolicamente, mas antes de sentir como éramos castos e inocentes, como atingimos o medo de romper a ordem estabelecida, e depois como deixámos de saber transgredir, sendo agora apenas pacientes e amargamente instalados nessa paciência. O medo deixou para nós de ser um risco, uma paixão, uma loucura, e é antes um fosso onde não queremos caír e que evitamos a todo o custo.
Max Ophüls disse um dia que «a felicidade não é alegre». Se alguma coisa se respira no filme de Tashlin não é alegria, mas felicidade. Porque tudo o que é festa passa na nossa solidão e morre num desejo que é sempre delírio. A solidão é, ainda e sempre, o lugar de todos os sonhos, porta aberta a todas as loucuras. "Artists and Models" é um filme que nos dá por um instante - momento fugaz que a memória retém - a felicidade mais real, completa, verdadeira, que se guarda ciosamente para relembrar nos outros longos momentos em que se perde a noção e valor dessa felicidade.
Primeiro dos oito filmes em que Frank Tashlin iria dirigir Lewis (o que, progressivamente, viria a cimentar uma grande cumplicidade entre os dois homens), "Artists and Models" é também um dos melhores filmes (senão mesmo o melhor) da dupla Martin-Lewis, curiosamente numa altura em que as relações pessoais dos dois actores já se encontravam em fase descendente. Mas trabalho é trabalho, e as questões extra-profissionais foram postas de lado, deixando-se ambos conduzir admiravelmente através das câmaras talentosas de Tashlin, aqui na sua quinta longa-metragem.
Algumas das obsessões muito em voga daqueles meados dos anos 50 encontram-se bem representados no filme: a influência "maligna" dos comic books, da televisão e da violência na juventude, o espírito reinante da Guerra Fria com agentes comunistas à solta por todo o lado ou, também, a fixação dos americanos nas mulheres com generosos atributos peitorais. Tudo isto filmado com muito humor por Tashlin, que porventura passou para a tela muitas das suas próprias obsessões.
As aspirações artísticas de Rick Todd (Dean Martin) e Eugene Fullstack (Jerry Lewis), dois amigos residentes num mesmo apartamento de Greenwich Village, tardam a revelar-se, pelo que não têm outro remédio senão pintarem grandes cartazes publicitários para garantirem a sobrevivência do dia-a-dia. Sobrevivência essa que vai sendo adocicada pelo imaginário delirante de Eugene, porque, ao fim e ao cabo, "Artists and Models" é um filme de faz-de-conta, de situações que pouco ou nada têm a ver com a vida real. Daí a pouca importância dada ao enredo, substituído por um encadeamento de situações onde o gag é rei e senhor.
De todas as cenas cómicas (como sempre abundantes nos filmes de Jerry Lewis) existe uma, genial, que só por si é bastante para a obrigatoriedade de se ver "Artists and Models". Refiro-me, concretamente, à interpretação em duas partes da canção "Innamorata", escrita expressamente para o filme. O tema é primeiro cantado por Martin (naquele seu característico modo crooner e meloso) no terraço (espaço cénico muito típico da época) com a finalidade de seduzir em definitivo a loura e curvilínea Dorothy Malone. Ultrapassada tal empreitada, a mesma canção é de seguida usada por Shirley MacLaine com idêntica intenção, a de seduzir Jerry Lewis. Só que Shirley e Lewis formam um casal em tudo diferente do anterior, onde o romantismo se encontra ausente em parte incerta. Por isso a canção é totalmente subvertida, literalmente estilhaçada, numa das sequências mais delirantes de que tenho memória.
"Artists and Models", conforme já acima referido, é um filme que nos traz uma breve e estranha sensação de felicidade, explicada pela conjugação de vários factores: um clima leve e artificial, propício à satisfação dos sonhos mais irreais, a cor exuberante dos cenários (Sam Comer e Arthur Krams) e da fotografia (Daniel L. Fapp), o guarda-roupa da inevitável Edith Head a vestir todas aquelas belas mulheres (Dorothy Malone, Anita Ekberg, Eva Gabor), as canções devidamente enquadradas de Jack Brooks e Harry Warren (com o já mencionado destaque para "Innamorata"), a direcção eficaz de Frank Tashlin e, claro, um punhado de boas interpretações, com Lewis e MacLaine à cabeça. Esta na sua segunda longa-metragem (logo a seguir a "The Trouble With Harry", de mestre Hitchcock) e nuns deliciosos vinte aninhos; aquele a ir sempre um pouco mais longe na reescrita da tradicional tipologia burlesca.

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