sexta-feira, abril 06, 2012

LA GRANDE ILLUSION (1937)

A GRANDE ILUSÃO
Um filme de JEAN RENOIR


Com Jean Gabin, Dita Parlo, Pierre Fresnay, Erich Von Stroheim, Julien Carette, Georges Péclet, Marcel Dalio, etc.


FRANÇA / 114 min / P&B / 
4X3 (1.33:1)


Estreia em FRANÇA a 4/6/1937
Estreia em PORTUGAL a 1/11/1937
(Lisboa, cinema Tivoli)
Estreia nos EUA a 12/9/1938

Lieutenant Rosenthal: «Frontiers are an invention of men. 
Nature doesn't give a hoot»

«Não seremos arrastados pelo gosto do paradoxo a desacreditar o único filme de Renoir que foi compreendido e admirado desde início, por todos os públicos e em todos os países do mundo. Na verdade, pensamos que “La Grande Illusion” é um filme tão bom como “Toni”, “Les Bas-Fonds” ou “L’Homme du Sud”, mas que o seu enorme êxito resulta, se não de um mal-entendido, pelo menos das aparências. Tudo aquilo de que gostamos em Renoir e que geralmente lhe censuram, as mudanças de tom, a desenvoltura, o despropósito, as digressões, a crueza e o irmão desta, o preciosismo, aqui se encontra, mas ao serviço de um contexto patriótico e sabemos como os filmes de guerra, de resistência e de evasão agradam à priori, quer sejam barrocos (“Roma Città Aperta”), líricos (“J’Accuse”), pseudo-poéticos (“Algures na Europa”), literários (“La Bataille du Rail”), românticos (“Kanal”), cómicos (“Stalag 17”), inteligentes (“L’Espoir”), demagógicos (“Vivere In Pace”), abstractos (“Un Condamné à Mort s’est échappé”) ou despidos de qualquer interesse (“A Última Esperança”). Em resumo, todos os exageros, todos os paroxismos são autorizados dentro do género, e “La Grande Illusion” não escapa à regra.
Aclamado por Roosevelt, por Céline e pelo marechal Goering, proibido na Bélgica pelo ministro Henri Spaak, irmão do co-argumentista, amputado na Alemanha por Goebbels em todas as cenas em que o judeu é simpático, “La Grande Illusion” foi boicotado no Festival de Veneza por Mussolini, o qual mandou conceder o Grande Prémio a “Un Carnet de Bal”, de Julien Duvivier. Em França, o crítico Georges Altmann protestou contra o anti-semitismo do filme. A grande ideia de “La Grande Illusion”, que mais tarde animará “La Marseillaise” e, sobretudo, “La Règle du Jeu”, é que o mundo se divide horizontalmente e não verticalmente: Renoir explica claramente que a ideia de classe subsiste mesmo quando certas classes desaparecem por si. Em contrapartida, é necessário abolir a ideia de fronteira, responsável por todos os mal-entendidos. Há que referir que outra razão do êxito de “La Grande Illsusion” é que, nele, a psicologia sobrepõe-se à poesia, o que é raro no autor de “Elena et les Hommes”. É talvez o menos “louco” dos filmes franceses de Renoir
François Truffaut
Não podia estar mais de acordo com as ideias de Truffaut sobre este filme, um Renoir atípico que no entanto foi o seu maior (único?) êxito junto do público. Passados todos estes anos, o argumento de “La Grande Illusion” encontra-se hoje algo datado, o que na verdade não é de estranhar, dado o clima político da época em que o filme foi rodado. Resta ainda uma curiosa ambiguidade na sua ideologia (não é um filme de esquerda nem tão pouco poderá ser reivindicada por correntes direitistas) e na ideia, muito bem salientada por Truffaut, da abstração absurda das fronteiras que teimam em dividir os homens. Renoir, e o argumentista, Charles Spaak, falam aqui da sua geração, duramente marcada pela guerra, pela prisão, pela agitação das castas e das mentalidades. Procuram exprimir a sua crença profunda na igualdade e na fraternidade, à margem dos abismos sociais e das lutas fraticidas, e mostrar que mesmo em tempo de guerra, os combatentes podem continuar a ser homens. Quanto ao amor, é mostrado apenas como um breve período de tréguas no meio da tormenta.
Quando "La Grande Illusion" foi relançado em 1958, o próprio Renoir apareceu na introdução do filme a explicar a sua génese: «A história de "La Grande Illusion" é rigorosamente verídica e foi-me narrada por vários dos meus camaradas de guerra. Principalmente por Pinsard. Ele pertencia aos caças e eu a uma esquadrilha de reconhecimento. Por vezes, acontecia termos de fotografar as linhas alemãs. Várias vezes me salvou a vida ao intervir no momento em que os caças alemães se tornavam mais activos. Ele próprio foi abatido sete vezes, foi feito prisioneiro sete vezes e sete vezes se evadiu. As suas evasões estão na origem de "La Grande Illusion". Mas uma história de evasão, mesmo apaixonante, não basta para fazer um filme. Tem de se construir um argumento. Para isso contribuiu Charles Spaak, cuja colaboração foi fácil e sem história. À nossa amizade juntou-se a nossa fé comum, a nossa crença profunda na igualdade e na fraternidade dos homens.»
Mas, como muito bem refere Andre Bazin nos seus escritos sobre a obra de Renoir, houve mais uma ajuda de peso a ter em conta, a do próprio Eric Von Stroheim, actor-realizador banido de Hollywood, que os produtores tinham conseguido no último momento contratar para o papel do comandante Von Rauffenstein: «Ora, Renoir, que sempre proclamou a sua admiração pelo realizador maldito, cuja influência sobre a sua obra é, aliás, considerável, não podia resignar-se a utilizar semelhante recruta na dimensão do papel extremamente reduzido que lhe atribuía a versão inicial. Começa, então, no dia a dia, uma fecunda colaboração entre Stroheim e Renoir, donde resulta não apenas a extraordinária figura do actual Von Rauffenstein, como ainda um dos mais belos achados do filme: o desdobramento do tema do aristocrata, entre o capitão francês e o comandante alemão. Desdobramento que permite um diálogo e uma meditação acreca da nobreza muito mais subtis que a simples antítese entre Maréchal e Boeldieu.»
...«A exactidão do pormenor em Renoir resulta tanto da imaginação como da observação da realidade, da qual ele sabe sempre evidenciar o facto significativo que não convencional. A sequência mais exemplar deste ponto de vista é, sem dúvida, a célebre cena da festa onde se anuncia a reconquista de Douamount. Com esta ideia brilhante, um realizador hábil não podia deixar de evidenciar o seu talento. Mas Renoir acrescenta-lhe dez achados que fazem dela algo bem mais importante do que um trecho de antologia. Um único exemplo: a ideia de começar a fazer entoar A Marselhesa não por um francês, mas por um oficial inglês mascarado de mulher. É o grande número destas invenções realistas que torna sólida a qualidade de "La Grande Illusion"
Pessoalmente, gostava de lembrar aqui outra sequência genial, antes da festa, a chegada do caixote com roupas femininas. A prova de um vestido por um soldado origina, de repente, uma perturbação geral perante aquele pobre simulacro de feminilidade, em que todos aqueles homens de linguagem desbragada deixam de repente de gracejar. Renoir consegue transmitir-nos esse constrangimento apenas através de dois simples efeitos técnicos: o abaixamento do som e a estaticidade de todos os presentes, enquanto a câmara não se detém, continuando a evoluir por entre eles num travelling silencioso. Tanto bastou para que tal cena ficasse para sempre guardada na nossa memória.
Outra cena a que Renoir emprestou o seu inegável talento de grande cineasta é passada já depois da evasão de Maréchal (Jean Gabin) e Rosenthal (Marcel Dalio). Os dois homens discutem violentamente. O primeiro recusa-se a seguir o companheiro que se magoou num pé e anda muito devagar. Vemos Rosenthal ficar sózinho, a vociferar contra o abandono de que foi vítima. Ao fim de algum tempo, aparece Maréchal que vem de novo ter com ele. Não vemos Gabin arrepender-se e voltar atrás; vemos sómente Dalio a coxear. A câmara faz aqui as vezes do olhar da personagem, criando uma elipse muito bem conseguida do ponto de vista psicológico e dramático, porque condensa num só segundo (o momento em que Gabin reaparece) a evolução mental do homem que sente remorsos, evolução que o espectador apreende retrospectivamente em apenas alguns segundos.
Voltemos a citar Andre Bazin a propósito do significado do título do filme: «Mas há que dar à palvra "ilusão" um sentido resolutamente positivo e até militante. As grandes ilusões são, sem dúvida, os sonhos que ajudam a viver. Mas é, sobretudo, a grande ilusão do ódio que divide arbitrariamente homens a quem nada realmente separa, as fronteiras e a guerra resultantes delas, as raças, as classes sociais. A mensagem do filme é, pois, uma demonstração a contrário da fraternidade e da igualdade dos homens. A guerra, fruto do ódio e da divisão, revela paradoxalmente a falsidade de todas as fronteiras morais íntimas da consciência. Se porém, as fronteiras são derrubadas, é porque existem. Aqui se evidencia um outro tema caro a Renoir e que ele muitas vezes exprimiu nas suas conversas. É que os homens estão menos separados pelas barreiras verticais do nacionalismo do que pela clivagem horizontal das culturas, das raças, das classes, das profissões, etc.»
CURIOSIDADES:


- O uniforme usado por Gabin pertencia a Jean Renoir, que o usou durante a 1ª Guerra Mundial


- Quando os alemães ocuparam Paris, o ministro da propaganda Goebbels quis destruir o negativo original do filme. Mas Frank Hansel, um oficial nazi cuja profissão antes da guerra era a de arquivista fílmico, conseguiu levar o negativo para Berlim, onde se manteve até à invasão russa de 1945, altura em que transitou para um arquivo de Moscovo. Quando Renoir decidiu restaurar o filme no final dos anos 50, começou a trabalhar numa cópia julgando que o original tinha sido de facto destruído pelos alemães. Mas, por coincidência, houve nessa altura uma troca de arquivos entre Moscovo e Toulouse, onde se encontrava o célebre negativo, que regressou assim a território francês


- Nascido em Viena d'Áustria, Erich Von Stroheim tinha passado tantos anos nos Estados Unidos que practicamente já não falava alemão quando filmou "La grande Illusion"


- A criança que desempenha o papel de Lotte veio a falecer de gripe algumas semanas antes do filme ser estreado


- "La Grande Illusion" foi o primeiro filme estrangeiro a ser nomeado para o Óscar de Melhor Filme, em 1939 (o vencedor nesse ano foi "You Can't Take It With You", de Frank Capra)




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