quinta-feira, dezembro 29, 2011

BLACK SWAN (2010)

CISNE NEGRO




Um filme de Darren Aronofsky


Com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder


EUA / 108 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia em ITÁLIA a 1/9/2010
(Festival do Filme de Veneza)
Estreia nos EUA a 5/9/2010
(Festival do Filme de Telluride)
Estreia em PORTUGAL a 3/2/2011


Nina: «I just want to be perfect»

Confesso desde já que não sentia a mínima vontade de ver "Black Swan", devido sobretudo a "Requiem For a Dream" que, como já tive ocasião de referir neste blogue, me colocou basicamente de pé atrás no que ao nome deste realizador diz respeito. Mas como tenho cá por casa uma ex-bailarina que nos seus tempos áureos chegou a dançar o duplo papel de Odette/Odile e que insistiu em ver o filme devidamente acompanhada, lá tive de condescender. A verdade é que não dei o tempo por mal empregue e realmente a mão que assina este "Black Swan" não parece pertencer à mesma pessoa que borrou completamente a pintura em "Requiem For a Dream". É certo que Aronofsky continua a ser um realizador hiper-valorizado - sobretudo pela nova geração de cinéfilos - mas neste caso conseguiu dar-nos um filme interessante, do qual se encontra ausente grande parte dos maneirismos insuportáveis de outrora.
Exceptuando-se alguns facilitismos a nível do argumento (os mais óbvios serão os de conotar o sexo com o lado mais obscuro do ser humano), "Black Swan" consegue, à parte certos exageros, trazer à colação os aspectos mais comuns no mundo do bailado: a dureza da profissão (amesquinhada pelas intrigas e pelas invejas), o desejo de afirmação a todo o custo ou a busca permanente pela perfeição são apenas alguns exemplos, mas que se encontram devidamente enquadrados. Acrescente-se a excelente fotografia, de matizes expressionistas, e um punhado de boas interpretações (que deu este ano a Natalie Portman um merecido Óscar, até porque os papeis das suas competidoras eram bem mais fraquinhos) e podemos considerar "Black Swan" uma agradável surpresa, sobretudo se pensarmos na pessoa por detrás da câmara. Entretanto descobri na internet um interessante e pertinente comentário, assinado por Daniel Dalpizzolo, que no essencial espelha aquilo que eu próprio penso, e que por isso transcrevo já de seguida:
Tentativa válida de um cineasta pueril

A imprensa norte-americana sente frequentemente uma necessidade de encontrar novos “gênios” do cinema, artistas que, mesmo com seus filmes ainda em produção, já são assunto das principais revistas e sites especializados, emplacando publicidades gigantescas que assolam nossa visão a todo instante e não nos deixam esquecer esses filmes nem por um dia sequer. O tempo geralmente trata de mostrar se eram realmente bons autores ou meros exemplares de uma tendência, e foi desta forma que muitos diretores tidos como bons durante certo tempo simplesmente sumiram alguns anos depois, revelando filmografias frágeis que, passada a moda na qual embarcaram, não despertavam mais o mesmo interesse.
É neste universo que, acredito, vivem os realizadores mais comentados pela imprensa norte-americana em 2010: Christopher Nolan e Darren Aronofsky. O primeiro, com seu "A Origem" / "Inception", tornou-se símbolo de um suposto cinema de entretenimento “com cérebro” ventilado aos quatro cantos do mundo; o segundo, com este "Cisne Negro", um realizador que estaria trazendo profundidade psicológica ao cinema mainstream. Convenhamos: em 2010, quem negasse a existência destes dois fenômenos estaria naturalmente fadado a parecer desatualizado. Quem falasse mal, por sua vez, era visto como maluco.
Embora filmes diferentes no resultado – e também na qualidade – que vemos em tela, são trabalhos que dividem características em comum em seus processos de concepção, na forma como se relacionam com o público e desenvolvem os seus discursos. Ambos respondem a uma necessidade de buscar-se no cinema mainstream contemporâneo algum respiro criativo, algo que nos conforte numa época em que cada vez mais os filmes comerciais parecem feitos para cachorros, muitas vezes sendo menos interessantes vê-los do que sentar numa cadeira de praia em frente ao forno giratório de assar frango e olhar o troço girar até dourar. É sim uma busca louvável, mas, até então, executada de maneira bastante pueril.
Tanto "A Origem" quanto "Cisne Negro" miram neste público, e acertam em cheio. Filmes que abordam temas pouco usuais ao cinema pop, derivados da psicologia, e que se utilizam do impacto das trucagens narrativas tão caras a estes dois diretores para venderem-se como filmes “originais” e “complexos”. Darren Aronofsky e Christopher Nolan são diretores cujo sucesso se construiu justamente na abertura de espaço para uma nova safra de cineastas, que representam o cinema moderno, cinema do século XXI, cinema do novo milênio; cinema que foge da estrutura classicista de narração e aproveita-se da fragmentação, da pós-produção digital, dos truques modernos para impressionar. Nas mãos de ambos o cinema é um quebra-cabeças, e existem duas preocupações que, nestes filmes, parecem interessar muito mais do que a própria pintura contida nele: em um primeiro momento, bagunçar as peças, desnortear o “jogador”; em seguida, conferir cada uma dessas peças cuidadosamente para ver se todas estão em seus lugares específicos. É assim que a brincadeira acaba. Quem montou, é claro, sai com um sorriso no rosto.
Falando por mim, quando se trata de arte, sou muito mais contemplar a pintura. E é por isso que, diante de um filme como "Cisne Negro", acabo acompanhando tudo com uma distância significativa. Neste caso em especial, e ao contrário de "A Origem", que é tão somente um filme muito ruim, existe algo interessante por debaixo do rocambole mirabolante, e não são poucos os momentos que realmente conseguem impressionar. Algumas sequências, beneficiadas pela atmosfera de paranoia trazida de filmes como "Repulsa ao Sexo" / "Repulsion" (Roman Polansk, 1966) e "Suspiria" (Dario Argento, 1977), fazem de "Cisne Negro" uma emulação juvenil interessante de um cinema psicológico que já não se faz mais; a relação da personagem de Natalie Portman com o trabalho em que tanto busca a perfeição, por sua vez, carrega quês de "A Hora do Lobo" / "Vargtimmen" (Ingmar Bergman, 1968) e "Videodrome – A Síndrome do Vídeo" (David Cronenberg, 1982), outros grandes clássicos desta escola de cinema que se utiliza da diluição entre o real e a alucinação para fazer suspense.
Analisando por esta definição (“diluição entre o real e a alucinação”) se percebe que, por mais interessante que possa ser, ainda existe muito caminho para filmes como "Cisne Negro" percorrerem até alcançar a mesma qualidade do grupo mencionado. E não será Aronofsky o homem a fazer isto, simplesmente porque seu estilo narrativo não permite tal desprendimento. Tudo é muito certinho, calculado, premeditado e principalmente explicitado – quando não radicalmente moralizado e induzido dentro de um discurso prévio, como no caso de "Réquiem Para um Sonho" / "Requiem For a Dream" (2001) e em algumas características deste - para que esta atmosfera se sustente após a sessão. Não há espaço para dúvidas ou abstrações, as imagens surgem para detalhar e reafirmar - depois, é claro, de brincar de confundir - as anteriores num fluxo intenso de narração que, impreterivelmente, parece sempre induzido a contar algo novo minuto a minuto, não sobrando tempo para executar seu princípio básico: observar, fazer da câmera o olhar do espectador.
Por conta disso, "Cisne Negro" carece de sequências atmosféricas e imersivas como destes filmes citados, em que seus diretores (Polanski, Argento, Bergman e Cronenberg – todos nascidos fora dos Estados Unidos, o que não passa de uma curiosidade) realmente compreendiam o peso de se penetrar na mente de uma personagem. Existem sim bons momentos em "Cisne Negro", como quando a personagem inócua e frígida de Portman, depois de ter estas características reforçadas incessantemente durante os 40 repetitivos minutos iniciais, sai com uma garota, bebe uns drinks, toma umas drogas sem saber e trepa com ela numa sequência lésbica extremamente erótica e de tirar o fôlego; ou como quando o professor interpretado por Vincent Cassel, ao tocar o corpo de Portman, deixa a bailarina excitada e solitária na pista de ensaios – para fazê-la sentir, algo que o filme de Aronofsky não faz conosco. Mas, assim como outros, são momentos que passam por este processo tão tedioso de preparação / explicação que, apesar de sua funcionalidade imediata, produzem uma empolgação que logo se esvai.
É neste vai-e-vem, através de uma história tradicional de paranóia obsessiva, que se instala "Cisne Negro", e assim Aronofsky conduz o espectador por sobre um modelo narrativo aparentemente bastante eficiente que vai fechando sua trama em explicações e truques (imagéticos e principalmente de roteiro, o que preserva o fascínio dos cinéfilos amantes de “roteiros intrincados e complexos” do cinema moderninho) cada vez mais ligeiros, até que a história chega ao seu ápice e implode em uma sequência que já nasce planejada para ser épica, antológica, apoteótica e poética para dar a "Cisne Negro" os contornos grandiosos e a definição de clássico do cinema contemporâneo que, a julgar pelos comentários tão empolgados que surgem semanalmente em listas de discussão, blogs e fóruns de internet, realmente ficará junto do filme por algum tempo. Definição que, acredito, não durará mais que uma geração.
CURIOSIDADES:

- Vincent Cassel compara a sua personagem a George Balanchine, fundador do New York City Ballet, por este ter sido um perfeccionista do controle, usando muitas vezes a sensualidade para dirigir os seus bailarinos

- Meryl Streep chegou a ser considerada para interpretar Erica, a mãe de Nina (que na peça original se chamava Alexandria)

- Natalie Portman teve aulas com o New York City Ballet durante um ano (tendo pago do seu próprio bolso a maioria dessas aulas), antes das filmagens se iniciarem. No entanto, a actriz só aparece nos números filmados da cintura para cima. Quando se vê o corpo por inteiro foram usadas duas bailarinas profissionais, Sarah Lane e Kimberly Prosa. A primeira foi quem dançou a maior parte dos ballets, tendo algumas vezes sido usados efeitos digitais para lhe colocar a cabeça de Portman no corpo. Por sua vez, Mila Kunis (que desempenha o papel de Lily), foi dobrada pela bailarina Maria Riccetto

- O toque no telemóvel de Nina é o "Theme of the Black Swan"

- Natalie Portman ganhou uma série de prémios pela sua interpretação, incluindo os três mais importantes: Óscar, Globo de Ouro e BAFTA. O filme foi ainda nomeado para mais 4 Óscares, 3 Globos e 11 BAFTA's. Ver listagem de prémios aqui

segunda-feira, dezembro 26, 2011

BEN-HUR (1959)

BEN-HUR
Um filme de WILLIAM WYLER



Com Charlton Heston, Stephen Boyd, Jack Hawkins, Haya Harareet, Hugh Griffith, Martha Scott, Cathy O'Donnell, Sam Jaffe, Finlay Currie, Frank Thring, etc.

EUA / 212 min / COR / 16X9 (2.76:1)

Estreia nos EUA a 18/11/1959
(New York)
Estreia em ITÁLIA a 21/10/1960




Pontius Pilate: «Messala is dead. What he did 
has had its way with him» 
Judah Ben-Hur: «The deed was not Messala's. I knew him, well, before the cruelty of Rome spread in his blood.

Rome destroyed Messala as surely 
as Rome has destroyed my family»


"Ben-Hur" é o épico dos épicos, um filme grandioso seja qual for o prisma pelo qual para ele se olhe. Desde o argumento, sempre emotivo e envolvente, passando pela primorosa realização e direcção de actores, pelas maravilhas que são a fotografia, os cenários, o guarda-roupa e a banda sonora, até às inesquecíveis interpretações (principais e secundárias), tudo se conjugou harmoniosamente neste dinossauro excelentissimo que teima em não desaparecer nos anais do tempo. Pelo contrário, a sua permanência na memória dos mais velhos ou a descoberta de que é alvo por parte dos mais novos, parece ter um propósito bem definido: a de nos lembrar, a todos, que houve um tempo em que os filmes se faziam com muito amor e dedicação, para lá do aspecto económico.

Havia uma outra entrega, as pessoas davam aquilo que tinham e o que não tinham, chegando mesmo ao sacrifício supremo, como o produtor  Sam Zimbalist, que veio a falecer durante a rodagem do filme, vítima de um fulminante ataque de coração, consequência provável da enorme pressão a que estava sujeito. Porque, convém não esquecer, o investimento colossal colocado na produção (cerca de 16 milhões de dólares, um recorde para a época), tinha por objectivo principal salvar a MGM de uma bancarrota anunciada. Tal objectivo foi largamente ultrapassado, dado que o filme se veio a tornar num sucesso gigantesco, tendo logo na altura dado um lucro de cerca de 70 milhões de dólares, apenas nos EUA.


Enquadrado no género bíblico, é pertinente lembrar aos mais distraídos que a personagem principal, Judah Ben-Hur, existiu apenas na imaginação de um general da Guerra da Secessão (1861-1865), chamado Lewis Wallace (1827-1905), que mais tarde veio a ser governador do Território do Novo México (durante esse período chegou a conceder a amnistia ao famigerado Billy the Kid) e embaixador na Turquia durante 4 anos (1881-1885). Agnóstico convicto, Wallace tinha por finalidade desmitificar o Cristianismo quando começou a escrever o livro pelo qual seria imortalizado, "Ben-Hur". Mas as pesquisas que levou a cabo em variadissimas bibliotecas depressa mudaram o sentido da obra, o que aliás se reflecte na evolução do personagem principal. Publicado em 1880, o livro não conheceu sucesso imediato. Só mais tarde é que se viria a tornar num enorme campeão de vendas, traduzido para dezenas de idiomas, incluindo o braille.


Curiosamente, a primeira apresentação pública de "Ben-Hur" foi feita em cima de um palco, no Teatro Manhattan em Nova York, corria o ano de 1899. Com adaptação de William Young e música de Edgar Stillman Kelley, a peça foi representada em diversas cidades americanas, entre o ano da estreia e 1916. A necessidade de representação das cenas mais emblemáticas da obra, nomeadamente a batalha naval e a corrida das quadrigas, obrigou a autênticos malabarismos inventivos que contribuíram para o sucesso do espectáculo durante todos aqueles anos.


Com o advento do cinematógrafo, "Ben-Hur" conheceu a sua primeira adaptação logo em 1907, dois anos após o falecimento de Wallace. Como não podia deixar de ser, dadas as limitações técnicas da época, essa curta metragem, com cerca de 12 minutos de duração, era apenas uma sucessão de pequenos quadros filmados por uma câmara estática e em que a maioria do tempo era ocupado pela corrida das quadrigas. A companhia Kalem, que produziu o filme, foi processada pelos herdeiros de Wallace por violação de direitos autorais. O tribunal deu-lhes razão e ordenou à produtora o pagamento de uma larga indemnização aos queixosos.


A segunda adaptação ao cinema surgiu quase vinte anos depois, em 1925, no apogeu do cinema mudo. Realizado por Fred Niblo e com Ramón Novarro no papel principal, "Ben-Hur: A Tale of the Christ" surpreende ainda hoje pela técnica e pela exuberância de meios, ambas muito avançadas para a época em que o filme foi produzido. Embora se trate de um filme a preto e branco, várias sequências foram coloridas à mão e, em algumas delas, usou-se um sistema que daria origem mais tarde ao Technicolor. Esquecida por muitos, esta versão seria restaurada nos fins da década de 80 e normalmente acompanha as edições sucessivas em DVD do filme de William Wyler de 1959.

E eis-nos finalmente chegados à grande e definitiva versão de "Ben-Hur". Primeiro filme galardoado com um total de 11 Óscares (seriam precisos quase 40 anos para que um outro filme, no caso o "Titanic" de James Cameron [1997], conseguisse igualar tal proeza), "Ben-Hur" não venceu unicamente na categoria de Argumento-Adaptado, para a qual também tinha sido indigitado. Recebeu ainda 4 Globos de Ouro (num total de 9 nomeações), um prémio especial conferido a Andrew Marton pela direcção da sequência da corrida das quadrigas e o BAFTA inglês pelo melhor filme do ano. A belissima banda sonora, da autoria do conhecido Miklós Rozsa, também não seria esquecida, ao receber o respectivo Grammy. Toda esta catadupa de prémios surgiu em relação directa com o valor do filme, o qual, mesmo após completar meio século de existência, continua a ser considerado, pela crítica e pelo público, como uma das obras mais espantosas de toda a história do Cinema.

Como se começou por escrever no início desta prosa, todos os aspectos (técnicos e artísticos) do filme contribuíram significativamente para a sua grandeza. Mas, acima de tudo, a interpretação de Charlton Heston (1923-2008) como o Príncipe de Hur é algo que ninguém consegue dissociar de "Ben-Hur". Fala-se no filme e é o seu rosto que aparece em primeiro lugar. Podemos dizer que Ben-Hur é Charlton Heston e que Charlton Heston é Ben-Hur. Grande e multi-facetado actor (muitas vezes alvo de críticas por causa da sua defesa intransigente do uso pessoal de armas de fogo), Charlton Heston nasceu para interpretar papeis bigger than life no cinema (quem não se lembra do Moisés de "The Ten Commandments" [1956], "El-Cid" [1961], "55 Days at Peking" [1963] ou "Planet of the Apes" [1968], por exemplo?), mas a personagem de Judah Ben-Hur ficará para sempre como o ponto mais alto de toda a sua brilhante carreira de mais de uma centena de filmes. E não é por que tenha ganho o Óscar de melhor Actor Principal, aliás merecidissimo.

Desde os tempos do cinema mudo que "Ben-Hur" foi coleccionando dezenas de argumentos, uns atrás dos outros. E mesmo poucas semanas antes do início das filmagens em Roma, nos estúdios da Cinecittà, William Wyler ainda não tinha entre mãos um argumento pronto a ser filmado (aconteceu por várias vezes ter de se filmar o que tinha sido escrito nas vésperas). Daí resultaram uma série de improvisações e a colaboração de vários escritores, se bem que, no genérico final, apenas apareça o nome de Karl Tunberg. Sabe-se hoje que foi Gore Vidal (conhecido pelas suas convicções ateístas e homossexuais) quem escreveu grande parte do argumento final, devendo-se a ele toda a sequência do reencontro de Messala (Stephen Boyd, também ele num papel memorável) com Ben-Hur, rodada intencionalmente como se se tratasse de um conflito entre um qualquer casal de apaixonados.

Sem qualquer diálogo explícito foi, segundo o próprio Vidal, a melhor maneira de salientar a grande frustração de Messala ao ser "abandonado" pelo Príncipe de Hur, o que conduz de imediato às acções de retaliação sobre a família e o próprio companheiro de infância, quase como se tratasse de um acto de ciúmes. A verdade é que a orientação imposta por Vidal resultou em cheio e é esta sequência inicial que vem depois relevar o sentimento de vingança de Ben-Hur. O sub-título do filme diz-nos que se trata de um conto do tempo de Cristo; mas, na realidade, o que está no âmago de "Ben-Hur" é a história de dois homens, unidos na infância, mas que o poderio romano vem separar e transformar em inimigos mortais.

São necessárias três horas e meia (um pouco mais, se se contar com a overture inicial e o intervalo) para vermos este longo fresco épico. Mas é um tempo que passa a correr, tantas são as sequências inesquecíveis do filme: o já citado encontro inicial de Messala e Ben-Hur, o acidente no telhado que despoleta todos os acontecimentos, o juramento de vingança de Ben-Hur (mais um excelente confronto entre os dois actores principais), a travessia do deserto e o primeiro encontro com Cristo (uma "figura" nunca filmada de frente - mas sempre de um modo relevante - e que foi interpretada por um cantor de ópera chamado Claude Heater, não creditado no genérico), a escravidão nas galés e a batalha naval contra a frota macedónica, a celeberrima corrida das quadrigas (largos meses de preparação para cerca de 10 minutos de filme) com o derradeiro e pungente encontro de Messala com Ben-Hur, o resgatamento de Miriam (Martha Scott), a mãe de Ben-Hur, e da irmã Tirzah (Cathy O'Donnell) do Vale dos Leprosos e, por fim, toda a sequência final do calvário de Cristo, esteticamente uma das mais conseguidas de todas as muitas dezenas que esse episódio foi transposto para o cinema.

Por tudo o que atrás se escreveu e também pelo muito que não se disse, "Ben-Hur" é um filme que, no mínimo, toda a gente devia ver pelo menos uma vez na vida. A minha iniciação foi já um pouco tardia, tendo ocorrido nas férias de Verão de 1971, mais precisamente dia 2 de Setembro, numa matiné de quinta-feira do cinema Roma, em Lisboa. Foi tardia, mas nem por isso deixou de ser espectacular, atendendo a que a versão em cartaz era a de 70 mm e 6 bandas estereofónicas. Nestes 40 anos regressei ao filme vezes sem conta. A última foi ontem, dia de Natal, por causa da nova versão em blu-ray. É uma pena que filmes como "Ben-Hur" não sejam exibidos periodicamente em grandes salas de espectáculo (parece que a situação está a mudar um pouco, já se começam a ver por aí alguns clássicos do passado). Mas quem tiver uma boa aparelhagem caseira poderá, ainda assim, disfrutar com enorme prazer de um dos filmes mais excitantes de toda a história da Sétima Arte.


CURIOSIDADES:

- "Ben-Hur" foi inteiramente filmado em Roma, nos estúdios Cinecittà, durante cerca de 9 meses. A arena da corrida das quadrigas foi o maior cenário construído até à época, tendo custado um milhão de dólares. Nessa sequência – dirigida em 94 dias por Andrew Marton, Mario Soldati e Yakima Canutt, utilizaram-se cinco câmaras, quinze mil figurantes, dezoito quadrigas e 76 cavalos. Foi também criada uma enfermaria para tratamento de prováveis acidentes, mas apenas foram assistidas algumas pessoas da assistência com pequenas queimaduras solares.

- Para filmar o início da corrida (e outros planos ao longo da mesma), o director de fotografia Robert Surtees usou uma grua de mais de trinta metros de altura: o espectador vê as quadrigas desfilando na pista como se sobrevoasse a arena. O efeito é realçado pela utilização do processo cinematográfico Camera 65, um aperfeiçoamento do CinemaScope. Apesar de na Itália haver cavalos brancos, os quatro que foram utilizados nas filmagens vieram da Checoslováquia, transportados em primeira classe num avião fretado e ao qual teve de se retirar os assentos dos passageiros.



- Charlton Heston aprendeu a conduzir as quadrigas, sendo ele próprio que aparece em muitos dos planos filmados. As cenas mais arriscadas, como o salto dos cavalos, foram no entanto executadas por duplos.

- Paul Newman foi o primeiro actor abordado para interpretar o papel principal. Devido à má experiência no filme "O Cálice de Prata", Newman recusou o convite dizendo que nunca mais haveria de interpretar um papel em que tivesse de usar uniformes romanos. Outros actores que chegaram a ser equacionados foram Burt Lancaster e também Rock Hudson. Para o papel de Messala, foram Robert Ryan, Stewart Granger e Leslie Nielsen os actores convidados. O último chegou a realizar um teste, que pode ser visto num documentário que acompanha a edição do filme em DVD.

- Como a maioria dos actores tinham olhos azuis, William Wyler quis que Messala e todos os restantes romanos se diferenciassem dos demais, tendo obrigado Stephen Boyd, Jack Hawkins e outros a usar lentes de contacto para escurecer os olhos. Wyler recebeu 1 milhão de dólares para dirigir o filme (já tinha sido assistente de realização na versão muda de 1925)



- "Ben-Hur" foi o único filme de temática religiosa a ser aprovado pelo Vaticano

- A MGM queria que um autêntico barco romano fosse utilizado nas cenas de batalha, pelo que foi contratado um engenheiro apenas para esse fim. Quando ele apresentou o design do barco aos responsáveis do estúdio, estes disseram que ele se afundaria, pois era muito pesado. Ainda assim o barco foi construído e, ao ser colocado no oceano, inicialmente flutuou. Porém uma pequena onda foi suficiente para afundar a embarcação. Por causa disso, as cenas da batalha foram rodadas num gigantesco tanque, com cabos a prender o barco. Após a construção do tanque, era preciso dar à água (que estava marron-escura) o tom azul-mediterrâneo necessário para que as cenas parecessem reais. Foi utilizado um composto químico que realmente azulou a água, mas também formou sobre ela uma crosta, que precisou de ser toda retirada do tanque por operários da MGM. Durante as filmagens um dos figurantes caiu na água e lá ficou por muito tempo. Ao sair, estava totalmente azul, e teve o seu salário pago pela MGM até a pele voltar ao normal



- Martha Scott já tinha desempenhado o papel de mãe de Charlton Heston no filme "The Ten Commandments", três anos antes

- Miklós Rózsa compôs a trilha sonora de "Ben-Hur", em oito semanas

- "Ben-Hur" foi o primeiro filme a conseguir 11 Óscares da Academia. Se pensarmos que nessa altura só havia 12 categorias a que eram atribuídas as estatuetas, podemos concluir que a percentagem conseguida (91,7 %) nunca foi ultrapassada até hoje. A lista completa dos Óscares atribuídos a "Ben-Hur" pode ser consultada aqui






A BANDA-SONORA COMPLETA:

PORTFOLIO - "BEN-HUR" (1959)